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Pulsão: Um conceito político em Freud

  • Foto do escritor: Amanda Bairros
    Amanda Bairros
  • 12 de jun. de 2024
  • 3 min de leitura

Para além de uma definição do conceito de pulsão, o presente trabalho foi escrito para refletirmos sobre os riscos em associar pulsão e instinto como conceitos semelhantes ou até mesmo sinônimos, como sugerem algumas traduções.


O instinto, de maneira geral, é um comportamento igual em todos os membros de uma mesma espécie a partir de um determinado estímulo. Um impulso natural, independente da razão. No campo da biologia, é possível ver comportamentos comuns em determinadas espécies como, por exemplo, as leoas que são mães muito dedicadas. É inclusive comum assemelha-las às mulheres-mães que cuidam bem dos seus filhos: “aquela mulher se transforma numa leoa quando o assunto são os filhos”. Isso ocorre pois realmente há poucos animais que se importam mais com os filhotes do que as leoas. Mas então se assim funciona para os animais, no campo do humano, com as mulheres, também deveria funcionar assim? Pois é nesse momento que os conceitos se diferenciam para além das nomeações.


Trieb é a palavra em alemão que Freud utiliza para falar sobre a pulsão. Segundo Freud, esse é o conceito mais fundamental e ao mesmo tempo o mais obscuro da metapsicologia. Seu significado remete a um impulso, a uma força que faz mover. A origem dessa força ainda é o corpo, por vezes apoiada em uma zona erógena parcial, desregulando aquilo que seria organizado pelo instinto. Um exemplo notável, é o aparecimento da zona erógena oral que, para Freud, é a primeira pulsão parcial, pois, além de receber as excitações provenientes da alimentação primordial através da amamentação, recebe uma carga de prazer e a partir disso já não funciona mais como regulada pelo instinto.


A primeira e mais vital atividade da criança, mamar no peito da mãe (ou de seus substitutos), já tê-la familiarizado com esse prazer. Diríamos que os lábios da criança se comportaram como uma zona erógena, e o estímulo gerado pelo afluxo de leite quente foi provavelmente ligada à satisfação da necessidade de alimento. A atividade sexual se apoia primeiro numa das funções que servem à conservação da vida, e somente depois se torna independente dela. (FREUD, 1905, pág. 85).

 

                Através do conceito de pulsão, Freud propõe que nós não temos um objeto pré determinado para essa força, como no exemplo da fome: nós não comemos qualquer coisa, em qualquer lugar porque estamos com fome. É muito mais complexo, não podendo ser reduzido a um instinto de sobrevivência. O objeto através do qual a pulsão vai se satisfazer, já que a satisfação é o objetivo da pulsão, é contingencial, determinado por nossas histórias libidinais, que são singulares e especificas.


            Ao escrever os Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (1905), Freud propõe uma nova ontologia, com consequências políticas importantes. O conceito de instinto propõe a existência de uma natureza humana, com um referencial trans-histórico, que ignora qualquer contexto e a proposta da pulsão é descontruir isso. Utilizando ainda o exemplo do instinto das leoas no reino animal e relacionando com as mulheres-mães, podemos pensar em instinto materno, como se todas as mulheres tivessem o propósito de ser mãe e sobre tudo, protetoras e corajosas com suas crianças. O que fugisse desse instinto, seria considerado perversão. Através do conceito de pulsão, é possível compreender que não há nada em nossa natureza que garanta esses comportamentos morais complexos. Nós, seres humanos, somos uma rede circunstancial de crenças e afetos passíveis de redescrições e ampliações.        


A psicanalista Fernanda Otoni, no texto “Quando toca na divisão, a psicanálise faz política”, faz uso de um caso público como exemplo para compartilhar que “existe alguma coisa que não cessa e que não é obediente, e a psicanálise sabe disso mais do que ninguém, pois está orientada quanto à divisão e às escolhas forçadas da pulsão” (Otoni, Fernanda, 2012, pág. 6). Portanto, se não somos todos homogêneos, seres instintivos, não há algo que funcione para todos.  Freud inaugura o conceito de pulsão na psicanálise e faz política quando não propõe uma solução universal, quando não tem resposta “sobre o que é o bem” (Otoni, Fernanda, 2012, pág. 4). A existência de um equívoco, daquilo que escapa.




Referências:

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). Em: Obras Completas. Vol. 6. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, pp. 13-172.

 

FREUD, Sigmund. Os instintos e seus destinos (1915). Em: Obras Completas. Vol. 12. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, pp. 51-81. 

 

OTONI, Fernanda. Quando toca na divisão, a psicanálise faz política. Em: Revista Curinga. EBP-MG. N. 35. P 35-46. Jul – Dez 2012.

 
 
 

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